XIX ENCONTRO INTERDISCIPLINAR DE ESTUDOS LITERÁRIOS
Nota à comunidade acadêmica
Em sua décima nona edição, o Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários se apresenta nos dias 9, 10, 11 de novembro de 2022 com um tema que não apenas reflete o que estamos vivendo no atual contexto brasileiro e mundial, como também retrata os anseios e perspectivas do indivíduo frente a essa conjuntura. Na perspectiva de um mundo onde as sociedades estão superando ou se adaptando aos impactos da pandemia de COVID-19, propomos aqui o tema “Utopias e Distopias: estética, política e sociedade” para ressignificar o poder que o ser humano tem de recomeçar sua vida apesar das adversidades encontradas. À vista disso, esperamos que a proposta possa exortar a comunidade acadêmica a apresentar trabalhos que dialoguem com os objetivos traçados para esta edição.
Os estudos literários dialogam, há tempos, com pensadores e modelos sócio-culturais do passado, transformando comunidades acadêmicas em verdadeiras Ágoras modernas, essenciais na formação do indivíduo e suas relações com a sociedade. Assim, é em A república de Platão (375 a.c) que nos valemos de um conceito bem antigo de utopia. Afinal, o texto de Platão nos revela os ideais do que seria uma sociedade justa e de um homem justo, que participa ativamente da justiça social. A Filosofia de Platão atrelada à História alicerça, portanto, as bases da discussão para o tema do nosso evento, que até hoje se faz presente em nossas vidas, pois ainda ansiamos por uma sociedade justa, reta. Ainda desejamos que o nosso meio possa ser uma extensão das nossas próprias almas, e/ou atitudes enquanto cidadãos conscientes de seus papéis sociais. Posto isto, o XIX Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários, sob a luz de uma conceito que chega até nós da Grécia antiga, se apresenta com o objetivo de acender a chama do conhecimento nos participantes dessa edição, para que possam apresentar seus trabalhos e possam continuar a tradição de questionar o meio, levantar hipóteses e pactuar no espaço da universidade o nosso compromisso de cidadão do século XXI.
Junto ao conceito de utopias, no século XXI, se fala muito das famosas distopias, que tomaram força no século passado e que se mostram como a subversão do senso comum. Arriscamos também dizer que seria um possível reforço do senso comum, segundo o critério de quem domina: na literatura, temos 1984, do inglês George Orwell, que discute as mazelas do totalitarismo em uma sociedade rodeada de opressão física e intelectual. Assim como também O Conto da Aia, romance da canadense Margaret Atwood, que narra a história da queda da democracia e ascensão de um governo fundamentalista e religioso que tem como objetivo manter a procriação a todo custo e perseguir tudo aquilo que destoa do conservadorismo defendido por eles. Tais obras mostram bem até que ponto o ser humano, quando dotado de poder, pode chegar dentro de uma sociedade.
É importante ressaltar que a literatura, feita a partir de uma linguagem própria, se transforma e é viva. A literatura sempre foi e sempre será uma máquina conceitual que é reflexo de seu tempo, abordando e se preocupando com a política que rege os governos. Para ilustrar, ainda no século XVIII, a célebre Mary Shelley, com seu Prometeu Moderno, nos faz refletir sobre os perigos da crença exacerbada na ciência por personagens que usam a ciência para buscar algo inalcançável, o homem ideal. Shelley parece sugerir que para todo progresso ganancioso há um regresso interno, um dilema existencial que nenhuma ciência consegue resolver. O texto da autora inglesa é vivo e respira nos dias atuais porque anteviu nossa contemporaneidade. A tecnologia recém-nascida do século XVIII corrompeu homens, governos e cidades. Hoje não estamos tão distantes assim desse cenário. E é com essa perspectiva que a comunidade acadêmica deve dialogar. Suscitamos os participantes do XIX Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários a se reconhecer e reconhecer os seus espaços na sociedade, a fim de que possam levantar discussões pertinentes ao entendimento dos tempos em que vivemos, a fim de que questionem se hoje estamos vivendo as narrativas distópicas ou se estamos num meio termo rumo a elas.
Trazer o tema “Utopias e Distopias: estética, política e sociedade” para esta edição do Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários é significativo, não apenas na conjuntura atual que o mundo está enfrentando, mas também no seu caráter de relação com dois momentos muito marcantes para a literatura: o centenário de vida de José Saramago e o centenário de morte de Lima Barreto, autores bastante distintos, mas que se unem no seu aspecto de preocupação com a sociedade. O autor português, em seu famoso livro Ensaio sobre a cegueira, buscou retratar a degradação humana dentro de uma sociedade a partir de um evento distópico. O livro, ao retratar isso, mostra a cegueira que habita em qualquer corpo social. Porém, ela só pode ser percebida quando paramos para observá-la. E é isso que Saramago nos força a fazer no momento em que entramos em contato com a sua obra. Lima Barreto, por outro lado, não se utiliza de artifícios que fujam da realidade, mas faz uso do que já existe e, a partir disso, cria caminhos para refletir sobre o Brasil de sua época. Suas reflexões podem ser observadas em Os Bruzundangas, que narra um país marcadamente nobre e elitizado e que tinha uma política cômica. Assim como José Saramago faz uso da cegueira como um símbolo sobre a necessidade das pessoas enxergarem para além de si, Lima Barreto faz uso desse modelo de país fictício para mostrar tudo o que o Brasil tem em seu interior.
George Orwell, Margaret Atwood, José Saramago, Lima Barreto, e vários outros, em suas respectivas culturas e ideologias, buscam através de sua literatura desvelar tanto o lado bom, como o ruim das pessoas dentro do contexto social. É com esse caráter reflexivo que apresentamos o tema do XIV Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários, para que possamos discutir como a literatura, em seu caráter utópico ou distópico, se relaciona com as questões estéticas e políticas numa sociedade, no sentido de que a criação literária “[...] corresponde certas necessidades de representação do mundo, à vezes como preâmbulo a uma práxis socialmente condicionada.” (CANDIDO, 2010, p. 65)